Postagens populares

quarta-feira, 18 de maio de 2011

CAPÍTULO V - ENCONTRO COM SUCURI

CAPÍTULO V

O porco espinho

Um dia acordei ouvindo estranhos ruídos na popa. Saí de dentro da barraca e fui cuidadosamente espiar. Um filhote de porco espinho fuçava tranqüilamente uma panela. Aproximei-me devagarinho, tirando dele a panela. Ele continuou ali, andando de um lado para outro, levantando a cabecinha e me olhando nos olhos. O que estaria pensando aquele animalzinho? Minutos depois, ao sentar-me, ele tranqüilamente subiu para o meu colo. Afaguei-o, passando as mãos nos espinhos, estranhamente macios quando não estão eriçados.

O porco espinho só fica com eles assim para se defender e aquele filhote parecia ter certeza de ter encontrado um amigo. Fiz café e comi biscoitos. Dei ao porquinho e ele comeu como se já estivesse acostumado com esse tipo de comida. Passou vários dias comigo, andando pelo barco todo, chegando a entrar na barraca e deitar nos colchonetes. Eu o punha sempre para fora, mas um dia acordei com ele fuçando em minhas pernas.

Um dia não vi pela manhã, ao sair da barraca. Procurei-o por todo o barco e nem sinal dele. Percebi que tinha ido embora, tranqüilamente como chegara, sem perguntar se poderia ficar, nem se podia ir-se. Fiquei com saudades daquele bichinho, que me fizera companhia por alguns dias. Companhia aprazível, silenciosa, sem perguntas nem respostas, sem perturbar com sua presença.

Tracajás, ovos de tracajás e peixes no cardápio

Às vezes, sem que eu premeditasse, o barco encostava em uma praia. Então eu passava o resto do dia ali, tirando ovos de tracajás das covas, fazendo com eles fritadas, comendo gemadas, cozinhando-os e comendo-os com farinha.
Vez por outra, à noite, pegava uma tartaruga e nesse dia e nos seguintes minha comida era diferente, fugindo à rotina dos peixes assados, cozidos e fritos. Eu aprendera com os carajás a melhor maneira de se assar um peixe. Preferia os de escamas, tucunarés, cachorras e pescada, entre outros. Saía pela mata à procura de folhas largas. Embrulhava o peixe nelas, fazia uma cova rasa na areia, depositando ali o peixe inteiro, com escama e tudo. Acedia sobre ela uma pequena fogueira e era só esperar. Quando ela se apagava, o peixe estava assado. Tirava a areia de cima, pegava o peixe, separando as folhas com cuidado para não o encher de areia. Com o dedo polegar, depois de colocá-lo em um prato, ia puxando as escamas em direção a cauda. Abria a barriga e tirava o bucho, que saia limpinho e todo encolhido. E me deliciava com ele, tirando pedaços e os esfregando no sal, posto em outro prato, com uma colher pondo farinha na boca, tirando-o de outro. Alimento simples, nutritivo, sem temperos, a não ser o sal e a gordura do próprio peixe. Eu dava um enorme valor àquele tipo de alimentação. O peixe fresquinho [...] com aquele gosto delicioso, natural.

Encontro com a sucuri


Crédito da foto: http://www.pescaeturismo.com.br/.


Tinha ido pescar em um ponto distante do barco, numa estreia passagem das águas. Ele corria forte, limpinha, rumorejando. Atirei minha linha, com uma isca comprida da piranha pescada do barco, de manhãzinha. Logo fisguei uma cachorra, um peixe que parece pescada, quadro grandes e afiados dentes. Minutos depois peguei outra, e estava conseguida a comida do dia.

Voltei para o barco, descuidadamente, e só bem perto vi o enorme rolo bem perto dele. Só me assustei quando vi que era uma grande sucuri toda enrodilhada, cabeça em pé, língua sibilante. Fiquei ali parado, sem coragem de me mexer, a uns dois metros dela. Esperei que ela se movesse, que fosse embora. Pensei em ir ao barco, pegar a espingarda e matá-la, mas logo afastei da mente esse maldoso pensamento. A grande cobra estava quieta, olhando-me sem dar sinais de que pretendia atacar-me. Por que iria eu matá-la? Só o faria para defender-me, o que não parecia ser necessário. Que direito tinha eu de tirar a vida de um animal, meu irmão na Natureza, que existe porque tem o direito de existir? Fiquei observando-a por alguns minutos, até conseguir coragem para ir ao barco.

Fui e ela continuou no mesmo lugar, movendo apenas a grande cabeça em minha direção, acompanhando-me com o olhar. Comecei a tranqüilizar-me, já certo de que ela não me importunaria. E foi o que aconteceu. Cozinhei um dos peixes para o almoço, fritando o outro, que comeria no jantar. De vez em quando olhava a grande cobra, que continuava sem importunar-se com a minha presença ou a do barco.

Só quando eu estava comendo, meu olhar quase não se desviou dela. Então, começou a movimentar-se, desenrodilhando, estirando o corpo lentamente. Vi a barriga dela volumosa, mostrando ela tinha engolido algum animal, talvez naquele mesmo dia. Em seu deslizar coleante, ela devagarinho foi mergulhando no rio, até desaparecer. Quando ela se foi, eu não sentia já nenhum receio, acostumado a sua presença, de certa forma até agradável. Mas fiquei mais tranquilo depois que ela se foi.

Continua....

sexta-feira, 13 de maio de 2011

CAPÍTULO IV VIAGEM DE CANOA SEM MOTOR

CAPÍTULO IV

Estabeleci uma rotina. Deixava o barco correr, às vezes o dia inteiro, largando sempre de manhãzinha, encostando em uma praia, entre quatro e cinco horas da tarde. Ali dormia, reiniciando a viagem no dia seguinte.

Ia vendo os animais nas margens, eles me olhando tranqüilos, sem nenhum medo. Fitavam o barco, parecendo admirados por verem um monstro silencioso, totalmente diferente dos outros que passavam fazendo um barulho enorme. O que os assusta não é a visão de algo estranho, mas o ruído que faz.

Pequenos tracajás tomando banho de sol, deitados sobre galhos na margem, continuavam assim enquanto o barco passava. Quando eu estava bem em frente a eles, dava um grito e eles imediatamente pulavam n’água.

Quando passava perto de uma casa, tentava encostar, segurando em galhos ou jogando a garateia. Às vezes conseguia, às vezes não. Quando conseguia, ia até a casa, conversando com os moradores longo tempo. Era convidado para comer, para pernoitar com eles. Quando pernoitava, dormia no barco, embora insistissem para eu ficar na casa. Mas eu preferia o meu barquinho com sua barraca de camping, ao qual já estava tão acostumado. Como eu tinha chegado em silêncio, muitos pensavam que estava viajando de canoa. Eu lhes dizia que não que era em um barco. Quase sempre iam olhá-lo, admirados ao não verem nele um motor.

- Ué, não tem motor?
- Não, estou descendo a correnteza.
- Mas como é que consegue, num barco tão grande? Não encalha não?
- Até agora não encalhei. O barco vai seguindo sempre na parte mais funda.
- Como é que se faz para chegar onde quer?
- Não faço nada, não quero chegar a nenhum lugar determinado. Paro apenas onde consigo.
- E quando não encontra uma casa, onde é que dorme?
- Em uma praia onde consigo encostar.
- Tem medo não?
- Por que teria?
- Tem muitas onças por aí.
- Pelo menos, até agora, nenhuma me atacou.
- O senhor tem coragem mesmo. Tem uma espingarda?
- Tenho, mas ainda não foi preciso usá-la.
- É, mas deve ficar sempre vigiando quando estiver encostado.
- E como é que vou dormir, se estiver vigiando?
- Aí sei não.
- Quer dizer que vocês não teriam coragem de viajar assim?
- Cruzes, eu não!

Era outra coisa que eu não entendia. Por que aquele medo? Seria porque estavam acostumados a atacar as onças? Por que pensavam que elas atacariam se não o fizessem? Fiz muitas viagens e conscientemente não enfrentei nenhum perigo. Muitos animais se aproximavam de mim ou do barco, mas nunca uma onça, embora as tivesse visto muitas vezes, nas praias e na mata.

Continua.....

terça-feira, 10 de maio de 2011

CAPÍTULO III

Crédito da foto: br.viarural.com



CAPÍTULO III

Julho de 1976. Largo da prainha bem cedinho, mal começa clarear o dia. Vou descendo o rio atento, tudo observando, respirando a Natureza pródiga do Rio Araguaia. O ar é puro, cheira a mata. Nada de poluição, de gás carbônico. Parece que meus pulmões se enchem mais, a respiração fácil, as idéias claras. Sinto-me bem, meu organismo funciona como um relógio.

O barco segue a correnteza, margeando de um lado ou outro o rio, às vezes o atravessando, procurando sempre as curvas fechadas, onde a água passa com mais força. Quando encosta em algum galho de árvore, ficando preso em um remanso, é necessário empurrá-lo para fora, com as mãos ou com a vara. Às vezes fica rodando em volta de sim mesmo, quando entra em um redemoinho , sendo então preciso usar com força o comprido remo de alumínio, remando da proa, puxando o barco. Não se pode descuidar, viajando assim ao sabor dos caprichos do rio. Surgem troncos de árvores tombadas, geralmente pequenos, às vezes grandes, o barco descendo rápido em sua direção. Sento na proa, na popa ou na varanda, na posição onde o tronco deve bater. Quando ele já está ao alcance, ergo os pés e os ponho de encontro ao tronco, sustentando firme, empurrando com força quando o barco se detém por alguns instantes, desviando-o Ele roda e continua a descer. É um trabalho contínuo, às vezes sendo necessário um grande esforço físico, mas tudo é agradável.

De manhãzinha o barco está passando bem perto do barranco coberto de capim. Ouço ruídos na mata rala que existe logo adiante. E logo surge dela uma grande onça preta correndo, um camaleão grande na boca, debatendo-se desesperadamente.

Vou passando por uma parte baixa, cheia de capim alto. Avistando o barco, um grande jacaré se atira na água, fazendo um barulhão. Bem ali perto, vejo um bando de veados, as fêmeas na margem, comendo capim, um macho mais para dentro, cabeça em pé mostrando a galhada de animal já de certa idade. Espreita as fêmeas, vigia-as. Será que algum deles viu o jacaré?

Costeando a Ilha do Bananal, às vezes encosto em um barranco, quando o barco passa perto dele e eu consigo segurar em alguma árvore. Fiz uma garateia de barrote de ferro e, às vezes, a jogo em um galho, amarrando o barco. Vou a terra, subindo o barranco, às vezes muito alto. Tenho de subir me agarrando em cipós, em raízes de grandes árvores, descobertas pelas águas. Caminho pela mata a esmo, procurando sem saber o quê. A mata é mais ou menos densa, mas debaixo das árvores o terreno é limpo, fácil e agradável de caminhar. Encontro um pequeno lago, sento-me em um tronco caído e fico observando tudo em volta.

Um filhote de quati vem se aproximando timidamente, olhando-me enquanto caminha vagarosamente. Vem até ficar uns dois metros de mim, rabinho empinado. Fica brincando por ali, cheirando a terra aqui e acolá, talvez à procura de um formigueiro. Estou imóvel, sei que se mexer-me ele correrá. Depois de alguns minutos, levanto-me e ele nem se move, olhando-me. Vou-me aproximando dele devagarinho e ele continua parado. Só corre para a mata quando eu me abaixo para afagá-lo.

Bem perto vejo um pequeno lago, ouço o ruído de águas batendo. Vou me aproximando devagar, pensando que iria encontrar um jacaré na margem de lama. O lago não tem mais de cinco metros de largura, embora seja comprido. Um grande pirarucu ficou preso nele. E nada, de uma lado para outro, procurando uma saída. Talvez ele sobreviva, se nenhum pescador tiver a idéia de encostar ali. Fico apreciando as evoluções do grande peixe, com mais de dois metros. Aparecem tucunarés, alguns bem grandes, nadando velozmente atrás de pequenos peixes, que fogem em nado rápido.

Fiz várias estadas no rio, em várias épocas do ano. Caminhando por terra, encontrava sempre alguns pequenos lagos. Pescava neles e fui observando certas peculiaridades. Logo que ficam separados do rio, que se une a eles quando enche, ficam cheios de peixes, principalmente pacus, piranhas e traíras. Sempre pensei que as piranhas fosse os peixes mais valentes e vorazes do rio, mas não é essa a verdade. O lago vai secando, as traíras e piranhas, sem dele poderem sair, vão devorando os outros peixes que também ficam presos. Por fim, restam no lago apenas elas. E eu pensei que as piranhas, nessas circunstâncias, acabariam com as traíras. Ledo engano, como diria o literato. Encontrei muitos lagos, já tão secos que quase não tinham água. E jogando meu anzol neles, pesquei traíras, grandes e gordas.
Continua.....

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O POR-DO-SOL E NASCER DO SOL NO ARAGUAIA

A maioria das pessoas, quando pensa na Natureza, no Sol, pensa no poente. É o que elas conhecem, depois de um longo dia de trabalho, isso quando estão em um lugar onde possam observar essa beleza. Como marinheiro, vi muitos por-do-sois, muitas e muitas vezes o vi nascer em alto mar. É um belo espetáculo a tênue claridade surgindo na hora de fazermos com o sextante nossas observações astronômicas, necessárias para nossos cálculos de navegação. Quando terminados de calcular, o Sol ainda não nasceu, mas a claridade aumentou, fazendo com que astro se estrelas desapareçam no firmamento.

Muitas vezes me debrucei na amurada do passadiço, aguardando, olhos fixos onde vai surgir o Astro Rei. Por fim um arco surge no horizonte longínquo, seus raios começando a iluminar a vastidão do oceano. A água, quando o mar está espelhado, cintila, reverberando a luz. O Sol vai elevando-se lentamente, tudo clareando ainda mais. Em minutos já aparece quase a metade, mais um pouco surgindo como uma bola de fogo, aparece quase a metade, mais um pouco surgindo como uma bola de fogo, belo, majestoso. Nesse momento ainda podemos olhar diretamente para ele, seus raios ainda são mansos, não ferem nossos olhos. E em instantes ele já faz parte do cotidiano.

Mas meu sonho sempre foi assistir a esse nascer do Sol em pleno rio, meu barco encostado em uma enorme e bela praia de alvas e macias areias, a mata próxima me entregando todos os belos sons da Natureza, ao começar de um novo dia. É o que se pode fazer no rio Araguaia, um rio Paraíso, longe do mundo, irmanados com a Natureza, uma companheira inigualável. Com ela, o que poderia ser solidão, transforma-se em comunhão conosco, uma poesia em nossa vida, um renascer que nos prepara melhor para enfrentarmos o mundo com o qual somos obrigados a conviver.

Continua....

sexta-feira, 6 de maio de 2011

VIAGEM DE BARCO SEM MOTOR.... CAPÍTULO II (continuação)

Crédito da foto: site "Saiu".

Capítulo II
Levei para dentro do barco minha pouca bagagem, arrumando tudo a meu jeito, ajeitando os colchonetes lado a lado, dois a dois, um sobre o outro. Eram dez centímetros de espuma de borracha macia.

O pequeno barco, de doze metros de comprimento por dois e meio de largura, ficou como uma verdadeira casa. Tinha de tudo, incluindo um fogão a gás de duas bocas. Eu queria sair cedo, mas foram surgindo pessoas amigas e conhecidas, prontas para a cerimônia da despedida. Eu sabia que a maioria delas pensava que eu era louco, não sabiam que estava acostumado com aventuras, que tinha nascido às margens do Amazonas. O que mais os incomodava era o fato de eu descer o rio sem um motor no barco, ao sabor da correnteza. Conversa pra cá, conversa pra lá, acabaram me convidando para almoçar, o que se transformou em uma festa, com bebida a fartar, todos fazendo questão de fazer um brinde ao sucesso de minha viagem, uma grande aventura para eles.

Iniciei a viagem à tarde, muitos empurrando o barco, inúmeras mãos acenando enquanto ele lentamente se distanciava. Já ao longe, todos os ruídos artificiais desaparecidos, comecei a sentir-me em paz comigo mesmo e com o mundo, com toda aquela bela Natureza que sempre me fascinou.
Ainda no trecho de grande movimento de canoas e barcos, adaptando-me à nova vida, à nova situação, praticamente nada observei, preocupado com o barco, ainda sem saber o que aconteceria. Eram cinco horas quando por fim encostei em uma enorme praia no meio do rio. Calculei ter navegado à deriva umas três milhas. Mesmo cansado de tantas emoções, preparei a linha de pesca. Em minutos peguei um pintado de uns dois quilos, suficiente para o meu jantar. Limpei o peixe, fritei-o, fiz arroz e em menos de uma hora eu estava jantando. Desde esse dia me acostumei a encostar o barco umas cinco horas da tarde, sempre em uma praia que me chamasse a atenção por algum motivo. Andava a esmo por algum tempo, preparava a linha, pescava, fritava o peixe, comia e entrava na barraca. O candeeiro que levei poucas vezes foi aceso, o galão de querosene permanecendo quase cheio até o fim da viagem. Eu vivia como a Natureza manda. De dia tinha a luz do sol, de noite a claridade da lua e das estrelas que piscavam no firmamento. Era um sonho que estava realizando, que vivia comigo desde que eu conheci o rio Araguaia.

No dia seguinte, ainda com tênue claridade, acordei e saí da barraca. Fiz café e o tomei com biscoitos. Sentia-me bem com aquela nova vida, afastado do mundo, sozinho com a irmã Natureza. Eu caminhava de mãos dadas com ela em vez de enfrentá-la como o ser humano se acostumou a fazer. Empurrei o barco para fora com uma comprida vara e reiniciei a viagem.

Havia sobrado peixe do dia anterior e resolvi deixar o barco ir descendo o rio o dia inteiro. À tardinha, uma pequena praia me chamou a atenção. Remei com o longo remo de alumínio e encostei nela. Era apenas uma pequena faixa de areia de uns três metros de largura, não mais de vinte de comprimento. Grandes árvores deixavam boa parte de suas raízes de fora, a terra carregada pela correnteza. Frondosos galhos pendiam sobre a prainha. Dormi ali, ao relento, com um colchonete estendido na areia, sonhando antes de adormecer, os olhos fitos nas estrelas piscantes, envolvido por um bem-estar que me fazia mais gente, que alargava meu espírito.

Despertei com o cantar dos passarinhos, papagaios em ruídos álacres, todos os ruídos da mata em uma incrível cacofonia. Ainda estava escuro, mas uma tênue claridade ia surgindo. Fiquei observando, absorto na contemplação do que estava acontecendo e no que iria acontecer. Não sentia o tempo passar, como se estivesse mergulhado em um sonho.

Lentamente foi clareando, pouco depois, mesmo sem ver, eu sentindo que o sol subia por detrás da mata. Os primeiros tímidos raios conseguiam atravessar a densa folhagem, incidindo sob as gotinhas de orvalho pendentes as pontas das folhas, tornando-as iridescentes, faiscantes. As sombras iam se aclarando, encobrindo a prainha. As gotinhas das folhas iam brilhando, enquanto desciam para se entregarem à areia. Pássaros de todas as cores começaram a revolutear no ar com seus chilreios de todos os tons. Rolinhas cantavam seu canto triste e monótono. Patos selvagens começaram a passar em bandos, formando um "v", grasnando lá do alto, como se estivessem me dando bom dia. Garças passavam pelo céu, duas a duas, em voar majestoso, gaivotas mergulhavam audaciosamente sobre o barco, como se fossem me bicar. Peixes de escamas brilhantes pulavam fora da água como se quisessem me olhar. Grandes botos pulavam, mostrando todo o belo corpo, em alegres brincadeiras. Sem querer eu sorria, cheio de paz e tranqüilidade.

Passei o dia todo no mesmo lugar, andado pela mata, tudo observando, coração aberto , assimilando aquela beleza.

Continua......

VIAGEM DE CANOA SEM MOTOR NO RIO ARAGUAIA

Amigos, resolvi abrir um parêntese aqui e ampliar o blog com causos sobre a natureza, além das fotos. Aliás, eu já fiz isso quando postei o causo que postei aqui no blog sobre a onça que passou por trás de nós quando estávamos a busca de Mangava no cerradão de Goiás. O causo a seguir é muito bom, pois eu mesmo gostaria de fazer uma viagem assim, descendo o rio Araguaia de "bubuia", sem preocupações com nada. Só curtindo a natureza. E porque não os amigos do meu blog??? Boa leitura a todos!

Foto: Pôr-do-sol no Rio Araguaia. Autoria Charles Machado.

VIAGEM DE CANOA SEM MOTOR DESCENDO O RIO ARAGUAIA
Extraído do livro de Lima de Miranda "O dia-a-dia no Araguaia"

Capítulo I

De maio a outubro, geralmente não chove na região Centro-Oeste. Em setembro, rio está com sua menor quantidade de água. Em junho viajei para o Rio Araguaia, começando a acalentar um dos meus sonhos, depois de observar, ao fazer pequenas viagens de canoa a motor, que os animais fugiam das margens, isso quando acaso conseguia vê-los, ao ouvirem o ruído do motor. Vez por outra eu via uma capivara, um veado, uma anta ou um jacaré. Corriam velozes para mata, o jacaré atirando-se n’água, assustado.

Em 1976 consegui realizar esse sonho. Comprei um barco no Rio Cristalino, fiz nele os reparos necessários, preparando-o a meu modo, mandando fazer uma tolda. Voltei no Rio de Janeiro, onde comprei tudo o que se fazia necessário para a viagem. Fogão a gás de duas bocas, lampião a gás, utensílios de cozinha, cama e mesa, além de uma barraca de camping para duas pessoas.

Regressando a Luís Alves, onde tinha deixado o barco, levado a reboque desde o Rio Cristalino, preparei tudo para a viagem de sonho.

Começava o mês de julho. Um amigo não conseguia aceitar o que eu estava planejando. No dia da saída, por fim desabafou.

- Você vai mesmo descer o rio nesse barco sem motor?
- Vou. Quero ver os animais nas margens, sem assustá-los. Qual é o problema?
- Não tem medo? Ainda tem muitas onças por aí, cobras, um bando de bichos. É muito perigoso.
- Enéas, eu não acredito que os animais ataquem sem serem provocados. Na realidade creio que eles apenas se defendem quando se sentem em perigo.
- Tá bem, vai nessa, depois você me conta, mas não diga que não avisei. Acho que você tá é doido mesmo.

Continua....