Boa leitura a todos.
A HISTÓRIA DE MIAUZINHA
Por Eurípedes da Silva
Extraído do Suplemento do Campo do
Jornal O Popular de 3 a 09 de janeiro de 2014.
Meu
tio Juca Borges, que Deus o tenha, foi um desbravador dos ermos do Triângulo
Mineiro nos idos de 1930. O sítio da família de meu avô ficava num mundaréu de
terra seca escorado numa região pantanosa conhecida como Bagagem. As terras
estavam entre o que era o município de Frutal e Uberaba, sendo mais perto o
distrito de Esplanada.
Por
volta de 1943 era um perigo sem conta aparecer onde tinha polícia, porque quem
estava em idade de servir ao exército, isto é, dos 21 aos 45 anos, corria sério
risco de ser recrutado como braço para a guerra. O sujeito era pego na marra,
feito seu alistamento “voluntário” e, quando a família menos esperava, estava
embarcado nalgum comboio militar da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Muitos
infelizes foram apanhados de supetão e mandados para a guerra. Só voltavam
notícias que haviam morrido em combate, nos campos da Itália. Meu tio Juca, por
prevenção, não ia nem em povoado sem polícia, com medo de ser “abduzido” pelos
homens de guerra. A maior diversão dele de seus oito irmãos era caçar, o que na
época era considerado normal.
Numa
de suas caçadas mataram uma onça pintada com mais de nove arrobas. Quando foram
tirar-lhe o couro para levar como prova do feito, perceberam que a danada
estava prenha, chegadinha para parir, e resolveram abrir-lhe a barriga, fazendo
uma cesariana sem que se dessem conta disso.
Para espanto de todos, tiraram um filhote vivo, pronto para o mundo,
coisinha das mais lindas. Botaram o
recém-nascido num saco e o levaram para a fazenda. A oncinha não sabia como era
o mundo selvagem dos felinos de sua espécie e cresceu de amizade com o povo e
animais do lugar, se amamentando na cadela Baleia, de filhotes na ocasião.
Comia até restos das refeições como se fosse um cachorro. Até os animais da
fazenda, arredios com aquela qualidade de bicho, foram se acostumando com a
oncinha, viraram amigos. Os rapazes deram-lhe o nome de Miauzinha.
A
oncinha cresceu e aos dois anos de idade começou a sentir as farras do cio.
Numa noite escura apareceu um macho vigoroso nas redondezas, querendo namoro. O
cheiro dela foi longe e os rapazes permitiram que ela fosse se encontrar com o
pretendente. A farra do casal durou até pela manhã, com todo mundo de cabelo em
pé, com medo do macho estranho. Os miados dos dois lá no canavial parecia o
rugir de uma centena de gatos juntos. No final da tarde do dia seguinte,
Miauzinha veio se despedir da família. Estava feliz, mas toda lanhada da
arruaça madrugadeira. Roçou na perna de todos, depois miou respondendo aos
chamados do seu macho lá no mato e se foi. As mulheres da fazenda, minhas tias
e as empregadas, choraram de felicidade e de saudade da Miauzinha. Mas era o
destino dela.
Passado
um ano daquela noite, aconteceu o maior ouriço dos cães do terreiro, acuados no
medo e no atiço de caçada. Foi preciso tio Juca tocar a buzina para acalmar o
forrobodó. Quando os cães arrefeceram o assanhamento, apareceu nos cabeços do
canavial a onça Miauzinha. Estava acompanhada dum filhote pequeno. Os
movimentos no mato indicavam que o pai e companheiro dela estava na espreita.
Ela
veio e cumprimentou todo mundo, ao seu modo, se esfregando nas pernas das
pessoas, enquanto seu filhote velhacava feito pulga de hotel. A onça brincou
com o cachorro Barão, com a cadela Baleia e com o gato de Botas. Passado meia
hora, veio um miado estrondoso lá do canavial e os cães ficaram em pé de guerra
para defender a amiga. Porém, ela novamente se despediu de todos e se foi com
sua família. Foi a última visita de Miauzinha.
Nunca
mais a viram. Possivelmente alguém levou seu couro para ser pendurado na
varanda de alguma fazenda da região. Este foi parte do preço do progresso, devastando
o sertão.
FIM