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quinta-feira, 7 de abril de 2011

ACONTECEU COMIGO ANDANDO NO MATO




MANGABA, PEQUI E.... ONÇA!
Aconteceu quando eu andava no mato e não carregava máquina fotográfica. As fotos são de autoria do biólogo Fernando Tatagiba, para ilustrar o causo.

Era 15 de novembro e já fazia exatamente um ano que eu havia
degustado a última mangaba da estação passada. Para quem não conhece,
a mangaba é uma fruta típica do cerrado, que possui um sabor muito
característico, meio lembrado a banana madura. A mangabeira, quando
ferida, solta um líquido muito leitoso, semelhante à seringueira.
Pode-se fazer uma bola de seiva da mangabeira. Quando se come o fruto,
sua casca libera essa substância leitosa que deixa os lábios meio
"preguentos". Igualzinho a quando se come guapeva, outro fruto do
cerrado de Goiás. O escritor goiano Carmo Bernardes escreveu muito
sobre a mangabeira e seu fruto, esta árvore frutífera do cerrado, em
suas crônicas nos jornais goianos.

Bem, aqui em Goiás, em algumas regiões do Estado, a estação da
mangaba coincide com a do pequi e com a do cajuzinho do cerrado. Então
é juntar "a fome com a vontade de comer". E não dá outra: quando chega
a época dá uma tinhanha de ir atrás dessas iguarias que só é saciada
com um saco de cada uma delas jogado lá na cozinha de casa para a
patroa preparar, cada um na sua especialidade. O pequi, é claro, vai
para o arroz. Pode ir pro frango na panela também. Ou mesmo preparado
sozinho. As mangabas, vão para uma caixa de isopor, bem fechada, que é
para amadurecer logo. De um dia para o outro ficam no ponto de comer.
O cajuzinho do cerrado vai para o tacho de cobre, vai virar doce,
quando muito se não virar suco, pois seu sabor é muito azedo. Não
existe cajuzinho do cerrado doce.

Já vínhamos combinando a saída para de manhãzinha, bem cedo, pois a
caminhada ia ser dura, com bastante serra pra subir e descer.
Mochilas, latas para não amassar as mangabas, saco para os pequis,
cantil, canivete, facão e a matutagem, composta de ovos cozidos,
sardinhas em lata e alguns pães. Estávamos em quatro. Eu, um parceiro
de pescarias, seu pai e o seu cunhado.

Paramos a condução na fazenda de um vizinho do pai do parceiro, gente
muito boa e, depois de saborear um cafezinho gostoso ali, coado na
beira do fogão à lenha, recebemos a permissão para a empreitada do
dia. Decidimos subir a pé enquanto a manhã ainda estava fresca. Foi
então que uma coisa me chamou a atenção: na mata de galeria, atrás da
fazenda uns 3 quilômetros, jaó devia estar trombando um com o outro
lá, pois estava um furdunço de tanto jaó piando. Perguntei ao
fazendeiro se aquilo não era gente piando jaó e ele me disse que
aquela espécie de vivente – naquela mata – piava o dia todo. Não piava
só de manhã e à tardinha não, era o dia todo! Nunca achei um
companheiro para ir lá comprovar essa afirmação.

Ao som dos jaós piando, iniciamos a subida das serras. Logo adiante,
cruzamos um córrego bonito aquele tanto! E, com uma água cristalina
daquela, só pude então encher o meu cantil de alumínio. Naquela época
aquele cantil de alumínio era o meu xodó nas caminhadas pelas matas.
Só tinha um defeito: quando a água estava da metade pro fim,
chacoalhava a água dentro demais da conta. Ficamos ali no córrego
pouco tempo apreciando a belezura, pois se demorássemos muito, o sol
nos pegava feio.

Natureza linda demais, de fazer a gente soltar exclamações e bendizer
a Deus pela Sua criação. Alguns companheiros quiseram ir beiradeando a
mata para colher alguns pequis. Cortamos o fruto de alguns e comemos
ali mesmo aquela polpa dourada crua, adocicada que só vendo! Chegamos
ao topo do primeiro morrote e, aí, começamos a procurar as árvores de
mangaba. As mangabeiras são o tipo de árvore baixota e naquela estação
do ano deixa suas folhas meio avermelhadas. Assim, fica fácil de
identificá-las de longe. Se estivéssemos levado um binóculo, teria
sido até mais fácil.

Identificada a primeira mangabeira, rumamos na sua direção e, ao
aproximarmos dela, foi aquela correria para ver quem pegava mais
mangava. As bitelas, recém-caídas no chão, foram logo pra dentro da
boca e a felicidade estava logo ali, ao nosso lado, naquela
simplicidade e beleza da natureza.....

Meio-dia chegou logo, não vimos a manhã passar. As latas de mangabas
e pequis dentro do saco, estavam bem distribuídas dentro das mochilas
para não ficarmos inclinados nas caminhadas. Era hora de parar para o
bródio, então procuramos um barranco em que um embiruçu, na sua beira,
fazia sombra no chão. Aquela comezaina de ovos, sardinhas, pão e até
uma geléia de mocotó feita por um dos companheiros selou o almoço e
ali ficamos marombando com o bucho cheio. Aquela geléia doce pegou a
puxar uma água topada. De busca de pé de mangaba, passamos a busca de
grotas com mina d'água. E sobe serra e desce serra. Então achamos uma
grotinha com um pocinho de água limpa que foi muito difícil de descer
até lá. Eu facilitei na descida, o pé resvalou e eu cai sentado em
cima do meu cantil de alumínio que virou decalque. Aquilo me deixou
contrariado e sem água de cantil dali por diante....

Sede apertando novamente, três horas da tarde, sol de novembro
estourando de quente, precisávamos de passar a divisa para uma outra
fazenda, a qual desconhecíamos quem era o proprietário, para ver se
tinha água no vão entre um morrote e outro. Avistamos, do outro lado
dos morros, uma pequena chapada com uma descida que dava em uma grota
acentuada e descobrimos água em abundância, parecendo uma pequena
piscina, a qual encheu nossos olhos. A água vinha descendo de uma
nascente mais acima e, sendo corrente, parecia dar um toque especial
de um pequeno paraíso ali.

Matinha rala dos dois lados do início da grota, com as pedras
deixando a piscina livre de ramas e toceiras de capim, a água vinha
até na rasoura límpida que parecia um espelho. Bebemos água a vontade
e um dos companheiros se animou a tirar a roupa e, só de cuecas,
resolveu tomar um banho naquela piscina natural. Eu, ressabiado, em
terreno alheio, tirei só as botas e meias e refresquei meus pés, que
já pediam aquilo não era de hoje.... desalterei.

Meio entorpecidos pelo ar quente e o local muito aprazível, indagando
um ao outro se porco cateto não vinha por aquelas bandas e, atrás
deles, onça.... Estávamos no céu...ou quase isto.
Conversa ia e vinha naquela descontração, quando ouvimos, de súbito,
barroadas de cachorros vindo da parte mais baixa da serra atrás da
matinha rala. Aquilo nos fez voltar à realidade e, como estávamos em
terra alheia, questionamos se não era o dono da fazenda soltando os
cachorros atrás de nós, supostos invasores. Foi um Deus nos acuda! O
companheiro saiu da água do jeito que estava e caiu dentro das roupas,
calçando a bonita sem meia mesmo. Eu, a essa altura, já estava calçado
e já procurando uma árvore pra subir. Vejam só a dificuldade de achar
árvore em cerrado pra subir, é tudo baixa e algumas queimadas naquela
época do ano. Essa hora foi cada um por si e Deus pra todos! Na
matinha rala, nem pensar, pois tinha pedra demais pra chegar lá. A
solução foi ir pra chapada e buscar árvore pra subir. O mais baixo de
todos, em estatura, o cunhado do companheiro, achou uma e se acomodou.
O outro mais leve, também. Sobraram eu, 1,80 m de altura e 90 kg de
peso, mais o pai do companheiro a disputar uma árvorezinha do cerrado
que mal cabia um em cima! Catei o pai dele pelas cadeiras, pedindo
dianteira, pois ele patinava no tronco e não conseguia subir. Cachorro
chegando, tirei ele dali e nem vi a hora em que, de um átimo, estava
lá no topo da árvorezinha, parecendo um corujão, acima da copa,
olhando em derredor, caçando os cachorros. Tive tempo de ver o último
companheiro em uma outra árvore, com a ela emborcando, parecendo que
ia quebrar – mas agüentando o peso.

Foi então que, da minha vista privilegiada de cima da copa, eu vi,
numa carreira monstra, passando entre nós e a grota, dois cachorros
mestiços a onceiros, barroando, e sem dar a mínima pra nós – corujões
do cerrado – seguindo feito loucos, alguma coisa até sumir de vista.
Nisto, ainda meio pasmo pela ocorrência, vi, seguindo os cães em
carreira curta, despontar na subida da serra que dava na nossa
chapada, um homem com uma arma nas mãos e, então, minha garganta
secou.

Assim que me viu, fez uma cara de que estranhou e não tava acreditando
no que via, e eu, meio sem graça e querendo ajeitar a esquisita
situação, disse um ..."Ôooooi, tudo bem? Como vai?" Eu fui logo
tratando de descer. Ele parou a carreira e andando mais devagar foi se
aproximando, tirando um caetano meio pitado detrás da orelha e, a
turma também, no chão, foi se aproximando do homem.
Sujeito moreno, chapéu de palha surrado e carregando um embornal a
tiracolo e uma cartucheira de um cano só, das antigas, roupa bem
gasta, atinei logo que poderia ser um peão do dono da terra.

- E aí, meu amigo? Perguntei. "... não entendi os cachorros...
passaram batido por nós, feito doidos e sumiram na maravalha! Nós
assustamos, pois nunca pensamos encontrar cachorros por aqui. O que
aconteceu? Indaguei.

- Uai seu moço, eu tava catando uns pequis beirando a mata de baixo
aqui no pé da serra e os meus cachorros acuaram uma onça que tava
marombando numa forquilha grande de árvore e aí, eu cheguei mais perto
pra atirar nela, pois a cartucheira não era de calibre forte, bem
véia, quando ela desceu com cachorro e tudo e rumou pra cá. Aí eu vim
atrás deles. Respondeu o homem.

O barroar dos cachorros já ia muito longe, quase não se ouvia mais.
Assentamos no chão ali mesmo, na sombra, ele acendeu o pito de palha
e eu disse em tom de meia-pergunta:

- Pôxa, então tem muita onça do lombo preto, suçuarana, por aqui, hein?!
- Que nada, seu moço! Era uma pintada canguçu do cerrado, das pata
dianteira grossa! Exclamou ele.

Olhei pra turma e ficamos sem fala, como que aparvalhados...
A onça passou por trás de nós, na carreira, fugindo dos cachorros,
entre a grota, onde estávamos, nas-nossas-costas, e a chapada no pé da
serra mais alta e....nem percebemos! Mas quem poderia ver onça
fugindo?

FIM

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