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sexta-feira, 6 de maio de 2011

VIAGEM DE BARCO SEM MOTOR.... CAPÍTULO II (continuação)

Crédito da foto: site "Saiu".

Capítulo II
Levei para dentro do barco minha pouca bagagem, arrumando tudo a meu jeito, ajeitando os colchonetes lado a lado, dois a dois, um sobre o outro. Eram dez centímetros de espuma de borracha macia.

O pequeno barco, de doze metros de comprimento por dois e meio de largura, ficou como uma verdadeira casa. Tinha de tudo, incluindo um fogão a gás de duas bocas. Eu queria sair cedo, mas foram surgindo pessoas amigas e conhecidas, prontas para a cerimônia da despedida. Eu sabia que a maioria delas pensava que eu era louco, não sabiam que estava acostumado com aventuras, que tinha nascido às margens do Amazonas. O que mais os incomodava era o fato de eu descer o rio sem um motor no barco, ao sabor da correnteza. Conversa pra cá, conversa pra lá, acabaram me convidando para almoçar, o que se transformou em uma festa, com bebida a fartar, todos fazendo questão de fazer um brinde ao sucesso de minha viagem, uma grande aventura para eles.

Iniciei a viagem à tarde, muitos empurrando o barco, inúmeras mãos acenando enquanto ele lentamente se distanciava. Já ao longe, todos os ruídos artificiais desaparecidos, comecei a sentir-me em paz comigo mesmo e com o mundo, com toda aquela bela Natureza que sempre me fascinou.
Ainda no trecho de grande movimento de canoas e barcos, adaptando-me à nova vida, à nova situação, praticamente nada observei, preocupado com o barco, ainda sem saber o que aconteceria. Eram cinco horas quando por fim encostei em uma enorme praia no meio do rio. Calculei ter navegado à deriva umas três milhas. Mesmo cansado de tantas emoções, preparei a linha de pesca. Em minutos peguei um pintado de uns dois quilos, suficiente para o meu jantar. Limpei o peixe, fritei-o, fiz arroz e em menos de uma hora eu estava jantando. Desde esse dia me acostumei a encostar o barco umas cinco horas da tarde, sempre em uma praia que me chamasse a atenção por algum motivo. Andava a esmo por algum tempo, preparava a linha, pescava, fritava o peixe, comia e entrava na barraca. O candeeiro que levei poucas vezes foi aceso, o galão de querosene permanecendo quase cheio até o fim da viagem. Eu vivia como a Natureza manda. De dia tinha a luz do sol, de noite a claridade da lua e das estrelas que piscavam no firmamento. Era um sonho que estava realizando, que vivia comigo desde que eu conheci o rio Araguaia.

No dia seguinte, ainda com tênue claridade, acordei e saí da barraca. Fiz café e o tomei com biscoitos. Sentia-me bem com aquela nova vida, afastado do mundo, sozinho com a irmã Natureza. Eu caminhava de mãos dadas com ela em vez de enfrentá-la como o ser humano se acostumou a fazer. Empurrei o barco para fora com uma comprida vara e reiniciei a viagem.

Havia sobrado peixe do dia anterior e resolvi deixar o barco ir descendo o rio o dia inteiro. À tardinha, uma pequena praia me chamou a atenção. Remei com o longo remo de alumínio e encostei nela. Era apenas uma pequena faixa de areia de uns três metros de largura, não mais de vinte de comprimento. Grandes árvores deixavam boa parte de suas raízes de fora, a terra carregada pela correnteza. Frondosos galhos pendiam sobre a prainha. Dormi ali, ao relento, com um colchonete estendido na areia, sonhando antes de adormecer, os olhos fitos nas estrelas piscantes, envolvido por um bem-estar que me fazia mais gente, que alargava meu espírito.

Despertei com o cantar dos passarinhos, papagaios em ruídos álacres, todos os ruídos da mata em uma incrível cacofonia. Ainda estava escuro, mas uma tênue claridade ia surgindo. Fiquei observando, absorto na contemplação do que estava acontecendo e no que iria acontecer. Não sentia o tempo passar, como se estivesse mergulhado em um sonho.

Lentamente foi clareando, pouco depois, mesmo sem ver, eu sentindo que o sol subia por detrás da mata. Os primeiros tímidos raios conseguiam atravessar a densa folhagem, incidindo sob as gotinhas de orvalho pendentes as pontas das folhas, tornando-as iridescentes, faiscantes. As sombras iam se aclarando, encobrindo a prainha. As gotinhas das folhas iam brilhando, enquanto desciam para se entregarem à areia. Pássaros de todas as cores começaram a revolutear no ar com seus chilreios de todos os tons. Rolinhas cantavam seu canto triste e monótono. Patos selvagens começaram a passar em bandos, formando um "v", grasnando lá do alto, como se estivessem me dando bom dia. Garças passavam pelo céu, duas a duas, em voar majestoso, gaivotas mergulhavam audaciosamente sobre o barco, como se fossem me bicar. Peixes de escamas brilhantes pulavam fora da água como se quisessem me olhar. Grandes botos pulavam, mostrando todo o belo corpo, em alegres brincadeiras. Sem querer eu sorria, cheio de paz e tranqüilidade.

Passei o dia todo no mesmo lugar, andado pela mata, tudo observando, coração aberto , assimilando aquela beleza.

Continua......

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