CAPÍTULO V
O porco espinho
Um dia acordei ouvindo estranhos ruídos na popa. Saí de dentro da barraca e fui cuidadosamente espiar. Um filhote de porco espinho fuçava tranqüilamente uma panela. Aproximei-me devagarinho, tirando dele a panela. Ele continuou ali, andando de um lado para outro, levantando a cabecinha e me olhando nos olhos. O que estaria pensando aquele animalzinho? Minutos depois, ao sentar-me, ele tranqüilamente subiu para o meu colo. Afaguei-o, passando as mãos nos espinhos, estranhamente macios quando não estão eriçados.
O porco espinho só fica com eles assim para se defender e aquele filhote parecia ter certeza de ter encontrado um amigo. Fiz café e comi biscoitos. Dei ao porquinho e ele comeu como se já estivesse acostumado com esse tipo de comida. Passou vários dias comigo, andando pelo barco todo, chegando a entrar na barraca e deitar nos colchonetes. Eu o punha sempre para fora, mas um dia acordei com ele fuçando em minhas pernas.
Um dia não vi pela manhã, ao sair da barraca. Procurei-o por todo o barco e nem sinal dele. Percebi que tinha ido embora, tranqüilamente como chegara, sem perguntar se poderia ficar, nem se podia ir-se. Fiquei com saudades daquele bichinho, que me fizera companhia por alguns dias. Companhia aprazível, silenciosa, sem perguntas nem respostas, sem perturbar com sua presença.
Tracajás, ovos de tracajás e peixes no cardápio
Às vezes, sem que eu premeditasse, o barco encostava em uma praia. Então eu passava o resto do dia ali, tirando ovos de tracajás das covas, fazendo com eles fritadas, comendo gemadas, cozinhando-os e comendo-os com farinha.
Vez por outra, à noite, pegava uma tartaruga e nesse dia e nos seguintes minha comida era diferente, fugindo à rotina dos peixes assados, cozidos e fritos. Eu aprendera com os carajás a melhor maneira de se assar um peixe. Preferia os de escamas, tucunarés, cachorras e pescada, entre outros. Saía pela mata à procura de folhas largas. Embrulhava o peixe nelas, fazia uma cova rasa na areia, depositando ali o peixe inteiro, com escama e tudo. Acedia sobre ela uma pequena fogueira e era só esperar. Quando ela se apagava, o peixe estava assado. Tirava a areia de cima, pegava o peixe, separando as folhas com cuidado para não o encher de areia. Com o dedo polegar, depois de colocá-lo em um prato, ia puxando as escamas em direção a cauda. Abria a barriga e tirava o bucho, que saia limpinho e todo encolhido. E me deliciava com ele, tirando pedaços e os esfregando no sal, posto em outro prato, com uma colher pondo farinha na boca, tirando-o de outro. Alimento simples, nutritivo, sem temperos, a não ser o sal e a gordura do próprio peixe. Eu dava um enorme valor àquele tipo de alimentação. O peixe fresquinho [...] com aquele gosto delicioso, natural.
Encontro com a sucuri
Tinha ido pescar em um ponto distante do barco, numa estreia passagem das águas. Ele corria forte, limpinha, rumorejando. Atirei minha linha, com uma isca comprida da piranha pescada do barco, de manhãzinha. Logo fisguei uma cachorra, um peixe que parece pescada, quadro grandes e afiados dentes. Minutos depois peguei outra, e estava conseguida a comida do dia.
Voltei para o barco, descuidadamente, e só bem perto vi o enorme rolo bem perto dele. Só me assustei quando vi que era uma grande sucuri toda enrodilhada, cabeça em pé, língua sibilante. Fiquei ali parado, sem coragem de me mexer, a uns dois metros dela. Esperei que ela se movesse, que fosse embora. Pensei em ir ao barco, pegar a espingarda e matá-la, mas logo afastei da mente esse maldoso pensamento. A grande cobra estava quieta, olhando-me sem dar sinais de que pretendia atacar-me. Por que iria eu matá-la? Só o faria para defender-me, o que não parecia ser necessário. Que direito tinha eu de tirar a vida de um animal, meu irmão na Natureza, que existe porque tem o direito de existir? Fiquei observando-a por alguns minutos, até conseguir coragem para ir ao barco.
Fui e ela continuou no mesmo lugar, movendo apenas a grande cabeça em minha direção, acompanhando-me com o olhar. Comecei a tranqüilizar-me, já certo de que ela não me importunaria. E foi o que aconteceu. Cozinhei um dos peixes para o almoço, fritando o outro, que comeria no jantar. De vez em quando olhava a grande cobra, que continuava sem importunar-se com a minha presença ou a do barco.
Só quando eu estava comendo, meu olhar quase não se desviou dela. Então, começou a movimentar-se, desenrodilhando, estirando o corpo lentamente. Vi a barriga dela volumosa, mostrando ela tinha engolido algum animal, talvez naquele mesmo dia. Em seu deslizar coleante, ela devagarinho foi mergulhando no rio, até desaparecer. Quando ela se foi, eu não sentia já nenhum receio, acostumado a sua presença, de certa forma até agradável. Mas fiquei mais tranquilo depois que ela se foi.
Continua....
É isso aí tulio mais uma vez parabenz,
ResponderExcluire a razão vence mais uma vez.
devemos sempre levar em conta isso,
MATAR? PARA QUÊ? E PORQUÊ?
que Deus abençoe e te ilumine nas suas caminhadas,e que a razão ande sempre de maos dadas com a coerência. abraços.
Que legal essas Histórias!
ResponderExcluirTo curtindo seu Blog!